Como sempre, posto pra vocês um texto de um dos meus gaúchos queridinhos. A bola da vez? Sim, sempre ela: Martha Medeiros.
Nesta crônica maravilhosa publicada neste domingo, a autora fala sobre as 2 fases da vida, até os 40 e o pós idade da loba. Achei maravilhoso como sempre, dispensando maiores apresentações.
Mas só para introduzi-lo decentemente a vocês, faz comparações sobre as coisas boas de cada fase, onde na verdade não existe uma etapa melhor, mas sim a forma como você vive cada uma, considerando "...que fizer na
primeira metade terá conseqüências na segunda, para o bem ou para o mal."
Apreciem sem moderação!!!
Uma menina me perguntou
certa vez: a vida da gente melhora da metade para o final? Ela deveria
ter uns 14 anos, jovem demais para dividir a existência em duas partes e
colocar suas esperanças na segunda. Já eu havia recém feito 40: estava
me despedindo do ensaio geral e estreando na Parte 2, ainda sem saber o
que estava por vir. Logo, o que responder?
Admiti que considerava
encantadora a primeira parte: a virgindade existencial, os primeiros
amores, a juventude do corpo, os sonhos projetados para frente, a morte a
uma distância teoricamente segura. Não tinha como afirmar se a segunda
parte possuiria munição suficiente para superar tanta vitalidade e
expectativa, mas, dali onde eu me encontrava, seguia confiante, o futuro
não me assustava. Apesar de ter vivido muito bem os primeiros 40,
secretamente desejava que a resposta ao questionamento dela fosse um
categórico sim.
Hoje aquela menina deve estar em torno dos 24 e
ainda não tem sua resposta, mas garanto que anda tão ocupada que isso
deixou de importar. Eu, no entanto, avancei um pouquinho na parte 2,
porém continuo sem um parecer. Tenho apenas uma intuição.
Menina
que não sei o nome: decretar o que é melhor, se a primeira ou a segunda
metade da vida, é uma preocupação inútil – não perca tempo com isso. A
única coisa que você deve ter em mente é o seguinte: o que fizer na
primeira metade terá conseqüências na segunda, para o bem ou para o mal.
Se
você for muito seletiva e insegura, acabará transferindo para mais
tarde projetos que já poderiam ter sido experimentados. Procure viver as
delícias de cada idade, arrisque-se. Se não conseguir, ok: então morra
de amor, vá morar sozinha em Londres, entre para uma seita, monte uma
banda, tudo isso aos 60, aos 70, e danem-se as convenções.
A
maturidade traz ganhos reais. A ansiedade diminui, a teatralidade
também: já não vemos sentido em agradar a todos, a opinião alheia deixa
de nos influenciar. Essa liberdade de ser quem realmente somos me parece
o benefício maior – os jovens não percebem, mas sua liberdade é muito
restrita. São pressionados a fazer escolhas tidas como definitivas
(casamento, filhos, profissão) e as dúvidas se amontoam.
A
sociedade exige eficiência na condução desse script. Depois dos 40, a
boa notícia: que sociedade, que nada. Não é ela que banca suas ideias,
não é ela que enxuga suas lágrimas, não é ela que conhece suas
carências. Você passa, finalmente, a ser dona do seu desejo. Não é pouca
coisa.
A segunda metade trará vista cansada, um joelho menos
confiável, um rosto não tão viçoso, umas manias bobas, mas o fato de já
não haver tempo a desperdiçar nos torna mais focados e até mais
aventureiros – pensar demais deixa de ser producente.
Perder a
ilusão da eternidade traz, sim, conquistas instantâneas, mas, para isso,
é preciso ter cabeça boa, conhecimento e uma forte base moral e ética. E
isso você adquire na primeira metade da vida – ou padecerá na última.
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